Ciranda

Euna Britto de Oliveira

Hoje, vou trabalhar com o vestido amarelo.
Com o azul, não. Com o azul, já fui ontem.
Ficam o vermelho estampado, o marron de florzinhas
e o marinho de bolinhas brancas para variar adiante.
Parece que estou escalando meninas e seus lugares na ciranda...

Enquanto me visto, estou doendo de pena de uma família:
Bárbara Eliodora, Alvarenga Peixoto e sua filha, Mª Ifigênia.
“Bárbara Bela, do norte estrela, que o meu destino sabes guiar”...
Essa família foi destroçada.
Não foi no jornal que li. Foi no Romanceiro da Inconfidência que reli.

De Marília e Dirceu, não tenho tanta pena.
Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) achou uma Juliana em Moçambique,
e Marília (Maria Joaquina) viveu até muito, e chegou aos 80 anos!...
Tiradentes tinha mesmo de ser mártir:
“Dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria”.
Cláudio Manoel da Costa, o que foi que o perdeu?
Que destino amargo o seu!...
O jeito que foi encontrado no cárcere...

Sinto muita pena dessa família
que não viu o casamento de Mª Ifigênia,
a “Princesa do Brasil” de seu pai.
Maria Ifigênia, a rica menina que ficou tão pobre!
Pai degredado, mãe demente, o que mais seria da menina?...

É a ciranda da vida que foi dançada em Ouro Preto.
Ai, quanto vestido preto Ouro Preto vestiu!
A quanto destino negro Ouro Preto serviu!

Eu te daria por afilhada a Nossa Senhora, Maria Ifigênia,
e todos os dias te abençoaria, para que teu destino fosse melhor,
pobre pianistazinha!
Eu te colocaria de novo um nome de santa, eu te ensinaria
a História Sagrada, eu te preveniria contra alguns valores em que
qualquer história tropeça, como que em armadilhas!...
E não estou falando do anseio de liberdade,
que na verdade o primeiro valor é!

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Alvarenga Peixoto
(1744 - 1792)
Nascido no Rio de Janeiro, Inácio José de Alvarenga Peixoto estudou com os jesuítas, provavelmente em Braga, Portugal. Em 1760 ingressou na Universidade de Coimbra, onde se formou, com louvor, em 1768. Ocupou o cargo de juiz de fora da vila de Sintra e, em 1775 foi nomeado ouvidor de Rio das Mortes (MG). Em 1781, casou-se com Bárbara Eliodora, também poeta. Deixando a magistratura, ficou em Minas Gerais, ocupando-se da lavoura e da mineração. Em companhia de seu parente Tomás Antônio Gonzaga, foi implicado na Inconfidência Mineira e conduzido ao presídio da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Chegou a ter a sentença de morte declarada, mas sua pena foi comutada para o degredo em Angola, onde morreu, no presídio de Ambaca, em 1792. Sua obra,diminuta, foi recolhida por Rodrigues Lapa e apresenta alguns dos sonetos mais bem acabados do Arcadismo brasileiro.


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Bárbara Eliodora
(1759 - 1819)
Começou a namorar o poeta Alvarenga Peixoto em 1778, em São João del Rei MG. No ano seguinte nasceu Maria Efigênia, filha da poetisa com Alvarenga Peixoto, chamada de Princesa do Brasil pelos inconfidentes mineiros. Os dois se casaram em 1781 e tiveram mais filhos, um deles afilhado do poeta Tomás Antonio Gonzaga. Os poemas de Bárbara só foram editados em 1862, quando ocorreu a publicação de 9 das 12 sextilhas que compõem o poema "Conselhos a Meus Filhos" no livro Brasileiras Célebres, de Joaquim Norberto de Souza Silva, primeiro a atribuir esse poema à poetisa. Em 1830, o poema fora publicado com o título de Conselhos de Alvarenga Peixoto a Seus Filhos em Parnaso Brasileiro ou Coleção das Melhores Poesias dos Poetas do Brasil, tanto Inéditas, como já impressas, organizado pelo Cônego Januário da Cunha Barbosa e editado pela Tipografia Imperial e Nacional. Em 1865 ocorreu a publicação do poema Conselhos a Meus Filhos em Obras Poéticas de Inácio José de Alvarenga Peixoto. Bárbara Eliodora ficou famosa pelo drama que viveu na Inconfidência Mineira; somente no século XIX passou a ser reconhecida como poeta, cuja obra segue a estética árcade.


Por isso dentro em minha alma

Dá-se um conflito travado

Entre o desejo infinito

E o pensamento acanhado!

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Poema feito no cárcere por ALVARENGA PEIXOTO para sua esposa, Bárbara Eliodora:

BÁRBARA BELA

Bárbara bela,
do Norte estrela,
que o meu destino
sabes guiar,
de ti ausente,
triste, somente
as horas passo
a suspirar.
Isto é castigo
que Amor me dá.

(...)

Tu, entre os braços,
ternos abraços
da filha amada
podes gozar.
Priva-me a estrela
de ti e dela,
busca dois modos
de me matar.
Isto é castigo
que Amor me dá.

Peixoto, Alvarenga [1865]. Poesias. In: Lapa, M. Rodrigues. Vida e obra de Alvarenga Peixoto. p.30-31.
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Poema de autoria de BÁRBARA ELIODORA:

Conselhos a Meus Filhos [1]

I.

Meninos, eu vou ditar
As regras do bem viver;
Não basta somente ler,
É preciso ponderar,
Que a lição não faz saber,
Quem faz saber é o pensar.

II.

Neste tormentoso mar
De ondas de contradições,
Ninguém soletre feições
Que soletre feições,
Que sempre se há de enganar,
De caras e corações
Há muitas léguas que andar.

III.

Aplicai, ao conversar,
Todos os cinco sentidos,
Que as paredes têm ouvidos
E também podem falar;
Há bichinhos escondidos
Que só vivem de escutar.

IV.

Quem quer males evitar,
Evite-lhe a ocasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguém os procurar:
Antes que ronque o trovão
Manda a prudência ferrar.

V.

Não vos deixeis enganar
Por amigos, nem amigas,
Rapazes e raparigas
Não sabem mais que asnear;
As conversas e as intrigas
Servem de precipitar.

VI.

Sempre vos deveis guiar
Pelos antigos conselhos,
Que dizem que ratos velhos
Não há modos de os caçar;
Não batais ferros vermelhos,
Deixai um pouco esfriar.


In: PARNASO brasileiro; ou, Coleção das melhores poesias dos poetas do Brasil, tanto inéditas, como já impressas. Org. Cônego Januário da Cunha Barbosa. Rio de Janeiro: Tip. Imperial e Nacional, 1830. v.1, caderno 4, p.74-76

NOTA: Poema composto de 12 sextilhas


Conselhos a Meus Filhos [2]

VII.

Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto,
Pé de banco de um bilhar,
Que seja sábio piloto
Nas regras de calcular.

VIII.

Se vos mandarem chamar
Para ver uma função,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar;
Assim se entende o rifão:
Quem está bem deixa-se estar.

IX.

Deveis-vos acautelar,
Em jogos de paro e topo
Prontos em passar o copo
Nas angolinhas do azar;
Tais as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.

X.

Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr vírgulas nos pontos,
E pode quem conta os contos,
Mil pontos acrescentar:
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.

XI.

Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer,
Mas temer por muito amar,
Santo temor de ofender
A quem se deve adorar!

XII.

Até aqui pode bastar,
Mais havia o que dizer;
Mas eu tenho que fazer,
Não me posso demorar
E quem sabe discorrer,
Pode o resto adivinhar.


In: PARNASO brasileiro; ou, Coleção das melhores poesias dos poetas do Brasil, tanto inéditas, como já impressas. Org. Cônego Januário da Cunha Barbosa. Rio de Janeiro: Tip. Imperial e Nacional, 1830. v.1, caderno 4, p.74-76

NOTAS: Poema composto de 12 sextilhas



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Ilustração: Alvarenga Peixoto - Poeta e Inconfidente
Fonte das informações e ilustração: www.google.com.br

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.