VISÕES POÉTICAS

Deley

Eu vi Carlos Drummond de Andrade;
Caminhava devagar...
Tentava retirar as pedras do caminho,
Do caminho feito de pedras;
E a poesia daquele momento,
Inundava a sua vida inteira.

Eu vi Manoel Bandeira;
Cantava uma canção,
Continuava rejeitando todo o lirismo que não é libertação.
Tinha um enorme desejo no coração;
Ir embora para Pasárgada.

Eu vi Mário de Andrade;
No teatro Municipal da cidade,
Declarava o ódio fecundo a toda burguesia,
Havia gotas de sangue em cada poesia.

Eu vi Oswaldo de Andrade;
Vencia a distância de mil tiros de pedras,
Atingia os telhados da poesia francesa,
Servia o banquete do modernismo sobre a mesa.

Eu vi Cassiano Ricardo;
Extraia todo o sangue das horas,
Numa ilha cercada de palavras por todos os lados.

Eu vi Murilo Mendes;
Entre Deus e o diabo,
A mentira e a verdade,
O tempo e a eternidade;
Entre o ápice e o profundo,
Existindo para assistir o fim do mundo.

Eu vi Jorge Lima;
Ascendia os lampiões para iluminar,
O mundo do menino impossível.
Caminhava errante e enxugava com um simples aceno
O choro de todos os irmãos distantes.

Eu vi Vinicius de Moraes;
Esperava pacientemente o novo céu de maio
No vale do paraíso,
Recitava o soneto de fidelidade;
E a sua lágrima misturava-se com o seu sorriso.

Eu vi Cecília Meireles;
Escrevia na areia; e ao mesmo tempo dizia;
O amor não tem importância nenhuma,
Não tem o peso nem de uma rosa de espuma.

Eu vi João Cabral de Melo Neto;
Dormia tranquilamente na pedra do sono,
Suas memórias derramavam palavras,
Seus pensamentos voavam como telegramas.

Eu vi Fernando Pessoa;
Guardava todos os rebanhos numa boa,
E os rebanhos eram os seus pensamentos,
E os seus pensamentos eram os ápices das emoções.

Eu vi Mário Quintana;
Era um fim de semana,
Contemplei as suas circunstâncias,
E mesmo à distância;
Percebi todos os seus olhares de adeus,
Como o ultimo olhar de um condenado.

Eu vi Menotti Del Picchia;
Caminhava lado a lado com seu amigo Juca mulato,
E juntos ouviam a voz das coisas...
E juntos sentiam as coisas “coisando”;
O concreto no abstrato,
O prazer de serem matutos e mato.

Eu vi Pablo Neruda;
Estava assentado na beira do posso da sombra,
Pescava a luz caída com paciência,
Pescava um grande peixe chamado poema,
E pensava na garota de Ipanema.

Eu vi Eugênio de Andrade;
Erguia os punhos,
Balançava a bandeira,
Anunciava a liberdade,
Inventava a alegria pelas ruas da cidade,
Multiplicava os sonhos da humanidade.

Eu vi Alice Ruiz;
Em sua companhia estava o grande amigo Zeca Baleiro,
Sentia-se plenamente feliz,
Servia o amor de bandeja,
Transforma tudo o que estava ao seu alcance,
Em beleza.

Eu vi Fábio Rocha;
Convocava os loucos, os roucos, os poucos,
Os perdidos os vencidos e os poetas;
Para seguir o longo caminho
Solitário que leva a nós.

Eu vi Ferreira Guillar;
Respirava profundo,
Estampada em seu silêncio,
Estava a respiração contínua do mundo,
No espaço de um segundo.

Eu vi Solano Trindade;
Distribuía revolta pelos ares,
Odiava os opressores de todos os povos,
E de todas as raças,
Cantava com a alma um hino aos palmares.

Eu vi Florbela Espanca;
Vi a sua dor, a sua angustia,
Vi o seu ponto de interrogação;
?
Passava pela vida e ninguém a via,
Declamava os seus versos e ninguém a ouvia,
Sem ser triste, se entristecia,
E de sua alma brotava lágrimas ocultas,
Que inundavam o seu coração.

Eu vi tantos outros poetas...
Ouvi de seus lábios outras tantas poesias...
Naquelas visões poéticas;
Eu; um simples mortal,
Considerava-me tão importante,
Que um poeta eu me sentia;
Naqueles momentos, o êxtase era tão intenso;
Que eu não queria retornar à realidade do meu mundo;
Habitar eternamente nos braços da poética,
Era tudo o que eu queria.

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Autor: DELEY - Ribeirão das Neves - MG

Publicado no Recanto das Letras
www.recantodasletras.com.br

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Ilustração: Murilo Mendes

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.