Cena da Cidade

Merecia uma foto no jornal!...
Entre os carros da cidade,
um rapaz puxa seu carro de madeira,
carregado de papelão.
É uma carga relativamente leve,
mas volumosa, enorme,
para tão pequeno veículo!

Ligado à carga por um fio,
um caminhãozinho de plástico vermelho...
Ele saltita,
ao transpor cada pequeno obstáculo do asfalto,
e finaliza a lotação!...

Prático, democrático,
o rapaz arrasta um sonho pelas ruas da cidade...

Explícito, claro,
como um pequenino ideograma colorido
traduzindo a realidade pardacenta,
da cor de papelão,
está ali o caminhãozinho de plástico vermelho,
como a expressão de um desejo!...

Penso comigo:
—Tomara que aquele caminhãozinho de brinquedo
vire um carro de verdade!
Tomara que o rapaz consiga um carro!

No semáforo,
por um momento,
no carro de Auto-Escola,
eu fico atrás dele,
depois, lado a lado,
depois, ultrapasso-o,
cuidadosamente,
muito recomendada
e supervisionada
pelo meu Instrutor de Auto-Escola!

Ultrapasso o rapaz com seu carrinho,
e amarro nele o meu carinho...

Eu também acarinho um sonho,
que se arrasta atrás de uma competência,
ao lado de uma paciência,
ultrapassando bloqueios
e muitos obstáculos...

Só que o rapaz do caminhãozinho vermelho
não sabe do que se passa comigo.
Não sabe do que desejo pra ele!...

O rapaz do caminhãozinho vermelho
não vê que sou aprendiz,
e represento um perigo!...

É assim mesmo!
A maior parte de nós
olha mais pra o próprio umbigo!

Daí a uma semana,
eu compraria aquele que veio a ser o meu primeiro carro...
Um Ford Ka vermelho!

E o rapaz do caminhãozinho,
o que lhe terá acontecido de bom?
Que sinal verde Deus abriu pra ele?...