Matéria e Espírito

Euna Britto de Oliveira

Um dia,
não vamos mais conseguir caminhar,
não vamos poder mais ver,
nem falar, nem cantar,
nem ouvir, nem ler, nem escrever,
nem corresponder normalmente...
Será diferente.
Será quando formos nos aproximando
da Terra Prometida...
Mas vamos poder ensinar.
Vamos continuar aprendendo e ensinando!...

São tantos os nossos poderes, hoje!
Assobiar, por exemplo!
Conhecer lugares e pessoas,
compor o prato de nosso almoço,
escolher uma porta,
diante do banheiro de uma Rodoviária,
de um Shopping Center,
para esperar e entrar!
Escolher a porta certa, que vai abir primeiro!
Do banheiro que estará mais limpo!...
Viajar de pé,
no ônibus lotado,
junto à cadeira do passageiro que vai descer logo!...
E sentar-se confortavelmente,
porque conseguiu adivinhar qual seria esse passageiro...

Não haverá maquiagem para a alma.
O que há de pior vai acontecer com o corpo.

A terra comeu os belos olhos claros
de Cecília Meireles,
mas não comeu seu Romanceiro da Inconfidência,
sua Poesia,
não comeu sua Prosa,
nem a lembrança dos motivos florais
de um seu traje indiano, sari...

Quando o meu marido morreu,
tirei uma mecha dos cabelos dele.
Poderia ter tirado mais...
Não sei pra quê, mas poderia!
Estávamos só nós dois, no quarto do Hospital.

Ô consideração de Deus!...
Foi a mim que Ele escolheu
para estar com meu marido na sua última noite,
na sua hora derradeira!...
Fui a única pessoa que viu o seu último suspiro...

Hoje, chove.
E eu pingo de saudades!...
Muitas!!!...

Ilustração - Foto da Poeta Cecília Meireles
Fonte: Google

BH, 05/10/2005.

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.